segunda-feira, 6 de outubro de 2008

Escola de família e de cidadania - Fonte: Jornal do Commercio

Direito & Justiça06/10/2008
Artigo
Escola de família e de cidadania Desembargador Siro Darlan Presidente do Conselho Estadual de Defesa da Criança e do Adolescente e Membro da Associação Juízes para a Democracia
O Programa ESCOLA DE PAIS desenvolvido desde outubro de 1998 surgiu para adequar a ação judicial à complexidade das questões que envolvem a garantia do direito da criança e do adolescente à convivência familiar e comunitária: "Toda criança ou adolescente tem direito a ser criado no seio de sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente livre da presença de pessoas dependentes de substância entorpecentes. ECA, art19."Partiu-se do pressuposto de que a simples penalização jurídica de pais e responsáveis por crianças/adolescentes em situação de rua ou que estejam violando outros direitos fundamentais de seus filhos através de atitudes de negligência, abandono ou mesmo maus tratos físicos não traz melhora para a situação da criança/adolescente. A proposta do programa visou a promoção de uma mudança no eixo das ações até então desenvolvidas de caráter eminentemente e exclusivamente repressivas no sentido substituí-las por ações de orientação e apoio as famílias, deixando de se dar sobre a criança/adolescente e tornando-se ações em favor da criança. Neste ponto partimos do pressuposto Winnicottiano de que: "... prover para a criança é por isso uma questão de prover o ambiente que facilite a saúde mental individual e o desenvolvimento emocional" (Winniccott, pg. 63). As figuras parentais são, para a criança, este ambiente que deve ser "continente", que respalde o seu crescimento. Contatou-se que esses pais/responsáveis, destinatários diretos de nossas ações, também foram crianças negligenciadas, hoje são cidadãos negligenciados, sem vivências de inclusão social e com dificuldades de inserção em redes de apoio. A exclusão social à qual é submetida a população desfavorecida de nossas cidades hoje é sempre violenta. E esta violência vai constituir uma determinada subjetividade, uma determinada forma do sujeito representar-se, de construir sua auto imagem. E a marca da socialização pela violência é reconhecida pela baixa auto-estima dos sujeitos que a vivenciaram.O trabalho junto a pais e mães de criança e adolescentes visa o fortalecimento dos adultos, facilitando uma atuação "sustentadora/acolhedora" destes pais para com seus filhos, numa tentativa de interromper a repetição de interações familiares marcadas pela violência. A metodologia utilizada tem sido a de grupo de pais e mães, pois além de contribuir para a reativação da rede social dessa população, também permite o surgimento de novas possibilidades de se vivenciar a própria história e conseqüentemente de transformá-la. Segundo SLUZKI(1997) são funções da rede social: companhia social, apoio emocional, guia cognitivo e conselhos, ajuda material e de serviços, acesso a novos contatos. O Programa Escola de Pais inclui apoio psicossocial através de atividades de grupo reflexivo/informativo, acompanhamento a cada família por profissional especializado, doação de cestas de alimentos, doação de cheque-apoio, orientação na busca de alternativas laborativas/melhoria educacional, além de criação de oportunidades de trabalho e geração de renda através de parcerias. Este programa surge como resposta ao art. 129, incisos I E IV, do ECA: "São medidas aplicáveis aos pais ou responsável:I-encaminhamento a programa oficial ou comunitário de promoção à família;IV- encaminhamento a cursos ou programas de orientação.Compreende três projetos que desenvolvem atividades distintas com a população alvo ao longo de 15 meses: Projeto Escola de Pais, Projeto Família Solidária, Projeto Pais Trabalhando.Esses programas foram criados e executados pela equipe técnica da Vara da Infância e da Juventude com objetivo de: Orientar e apoiar famílias cujos filhos encontravam-se em situação de risco pessoal e ou social por omissão ou abuso dos pais ou responsáveis. Disponibilizar informações que envolvam maternidade/ paternidade responsável alem o exercício da cidadania. Facilitar o processo de auto conhecimento, auto expressão e auto valorização. Favorecer vivências de formas alternativas de resolução de conflitos. Disponibilizar informações/treinamento que favoreçam o despertar de aptidões e interesses na busca de atividades laborativas. Oferecer suporte financeiro até que através de colocação no mercado de trabalho obtenha recursos para o sustento da família. Encaminhar a população-alvo para cadastros oficiais de oportunidade de trabalho. Oferecer oportunidades de "trabalho protegido" e/ou geração de renda, por um período razoável.A população alvo são: a) pais ou responsáveis por crianças e adolescentes que respondem a processo por abandono, negligência, maus tratos e/ou abuso; b) pais ou responsáveis que colocam seus filhos em situação de risco pessoal ou social, por estarem eles próprios nesta situação.Quanto a metodologia aplicada deve ser aplicada às características da população alvo. No caso da Vara da Infância e da Juventude, os pais/responsáveis chegam ao Juízo encaminhados pelos Conselhos Tutelares ou pelos serviços sociais de apoio para um audiência com o Juiz onde é aplicada medida judicial, ECA - art. 129,§ III e/ou IV, motivado por diagnóstico de situação de risco na prole daquela família (negligência, maus tratos físicos ou psíquicos, etc. Neste momento eles são inscritos numa atividade de grupo que acontece semanalmente, durante 2 meses com duas horas de duração. Antes de cada dia de atividade de grupo é oferecido um café da manhã onde pais, crianças e técnicos podem conversar informalmente. Depois as crianças são encaminhadas para atividades lúdicas orientadas por profissionais de recreação, enquanto os pais participam das atividades do grupo reflexivo informativo. Nesta atividade em grupo são trabalhados conteúdos sobre temas específicos (uso indevido de drogas, métodos anticoncepcionais, violência intrafamiliar, desenvolvimento infanto-juvenil, deveres dos pais e responsáveis, etc) que funcionam como propulsores de reflexões sobre a implicação de cada participante com este tema. Conversas reflexivas estabelecidas entre membros de um grupo, proposta baseada no modelo teórico clínico do construcionismo social, facilitam a construção/reconstrução de narrativas sobre histórias de vida e apontam para novas possibilidades de convivência e inserção social.Segundo Handerson e Goolishian (1993) "significado e compreensão são construções sociais e intersubjetivas, feitas por indivíduos em conversação, em linguagem um com o outro. Assim, a ação humana se dá numa realidade de compreensão criada através da construção social e do diálogo. Essas realidades, narrativas socialmente construídas, dão significado e organização à nossa experiência (p.11)[1].".No grupo são estabelecidas conversas que possibilitam tanto a aceitação das realidades trazidas pelos diferentes participantes como a promoção de buscas e construção de novas narrativas sobre suas vivências.O grupo deve ser constituído por, no máximo, 20 pessoas; é fechado e ocorre semanalmente, perfazendo um total de 10 encontros.Os primeiros encontros devem valorizar o entrosamento do grupo e enfatizar a auto expressão e capacidade criativa dos seus membros, através do uso de técnicas de música, teatro, artes plásticas. Só após estes encontros de entrosamento terão início as atividade informativas. As informações são sempre trabalhadas através de dinâmicas grupais ou conversas informais, valorizando-se o saber e contribuições dos próprios membros dos grupos.As atividades de grupo são sempre facilitadas por dois profissionais previamente capacitados, que poderão convidar algum outro facilitador, especialista no tema do dia, para facilitar a conversa sobre aquele tema específico.Ressaltamos a importância da co-facilitação, dupla de profissionais, atuando com o grupo, pois esta forma traz coerência a uma metodologia que busca o diálogo e ajuda a trabalhar com uma população submetida a contextos de exclusão/violência.É oportuno trazer esse histórico no momento que o Projeto Escola de Pais comemora dez anos de sua implantação para anunciar que finalmente o Governo do Estado do Rio de Janeiro anuncia que transformará o vitorioso programa em política pública que será aplicado oficialmente aos pais e adultos nas operações Copabacana, Ipabacana e Barrabacana e outras ações em favor da população de rua desassistida.
[1]ANDERSON, H & GOLISHIAN. O ESPECIALISTA É O CLIENTE : uma abordagem para a terapia a partir de uma posição do não saber. NOVA PERSPECTIVA SISTÊMICA, ano II (3), ITF, jan,1993.

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